quarta-feira, 15 de maio de 2013

A última entrevista de Guimarães Rosa

Uma preciosidade histórica da língua portuguesa: a entrevista realizada pelo escritor e jornalista português Arnaldo Saraiva, em 24 de novembro de 1966. Guimarães Rosa morreria menos de um ano depois de tê-la concedido.



Eis o homem. O homem que em menos de 20 anos, com sua prosa, seu estilo, sua literatura — sem os favores profissionais da medicina, que pode dar saúde mas ainda não deu gênio (cf. alguns prêmios Nobel), conquistou o Brasil, Portugal, a Alemanha, a Itália, os Estados Unidos, o mundo, não?

Repara no corpo: mau grado as ligeiras ameaças de obesidade, parece atleta, cavaleiro que foi, ou de bandeirante, que da língua é. Vê como está sobriamente elegante, distinto, sorridente, calmo, aristocrata, como convém a um embaixador (ou não estivéssemos num salão do Itamarati). Mas nada da pose ou dos gestos artificiais com que outros tentam iludir a mediocridade. Quem esperou quase quarenta anos para publicar o primeiro livro, ou quem avançou sozinho pelos grandes sertões da língua, não precisa ter pressa nem pedir emprestado um corpo, uma casaca, máscaras.

Lá está o lacinho (ou gravata-borboleta, meu chapa?) simetricamente impecável, fazendo pendant com os óculos claros, tão claros que ainda esclarecem mais os olhos sempre inquiridores, atentos. E é curioso como um mineiro de Cordisburgo, a dois passos (brasileiros) da Ita­­bira de Drum­mond, gosta, ao contrário deste (à primeira vista), de falar, de con­tar, de ser ouvido. Até nisso parece grande o seu amor à língua. Mal me sentei, já ele me começou a falar de Portugal e de escritores portugueses…

Estive em Portugal três vezes. Na primeira, em 1938, passei lá apenas um dia; ia a caminho da Alemanha. Na segunda, em 1941, passei lá quinze dias, em cumprimento de uma missão diplomática que me fora confiada em Ham­­burgo. Na terceira, em 1942, passei um mês, pois estava já de regresso ao Brasil, por causa da guerra.

Durante essas estadas, travou relações ou conhecimentos com alguns escritores?

Não. Até porque eu ainda não era “escritor” (“Sagarana”, com efeito, só foi publicado em 1946) e o que me interessava mais era contatar com a gente do povo, entre a quais fiz algumas amizades. Gosto mui­to do português, sobretudo da sua integridade afetiva. O brasileiro também é gente muito boa, mas é mais superficial, é mais areia, enquanto o português é mais pedra. Eu tenho ainda uma costela portuguesa. Minha família do lado Gui­marães é de Trás-os-Montes. Em Minas o que se vê mais é a casa minhota, mas na região em que eu nasci havia uma “ilha” transmontana.

Mas não chegou a conhecer Aquilino?

Conheci Aquilino (Aquilino Ribeiro), mas acidentalmente. Eu entrei numa livraria, não sei qual, do Chiado (presumo que a Bertrand) e, quando pedi al­guns livros dele, o empregado per­guntou-me se eu queria co­nhecê-lo, pois estava ali mesmo. Respondi que sim, e desse modo obtive dois ou três autógrafos de Aquilino, com quem conversei alguns instantes. Voltei a estar com ele, mais tarde, num jantar que lhe foi oferecido enquanto de sua vinda ao Brasil. Mas ele, naturalmente, não se recordava de mim (porque eu não me apresentara como escritor), e eu também não lhe falei do assunto.

Não sabe que, justamente numa crônica motivada pela sua ida ao Brasil, Aquilino colocou o seu nome, logo em 1952, ao lado dos de José Lins do Rego, Gilberto Freyre, Graciliano Ramos, Manuel Bandeira, Jorge de Lima e Agripino Grieco, que, segundo ele, eram os “notáveis escritores e poetas” que estavam a “encostar a pena contra a lava” que ia no Brasil “sepultando prosódia e morfologia da língua-mater”? Eu creio mesmo que é essa uma das primeiras referências ao seu nome, em Portugal…

Não sabia dessa curiosa referência do Aquilino. Antes dessa, porém, há uma referência a mim numa publicação do Consulado do Porto, de 1947, feita por não sei quem. Sei de outra referência feita, anos depois, salvo erro, por um irmão de José Osório de Oliveira.

Voltando a Aquilino: acha que recebeu alguma influência dele? Já, pelo menos, um crítico, o mineiro Fábio Lucas, notou alguns “pontos de contato nada desprezáveis” entre a sua obra e a de Aquilino.

Eu gosto de Aquilino, sobretudo da “Aventura Maravilhosa”, mas não creio que dele tenha recebido alguma influência, a não ser na medida em que sou influenciado por tudo o que leio. A verdade é que antes de 1941 só conhecia de Aquilino um ou dois trechos, co­mo infelizmente ainda hoje sucede em relação à quase totalidade dos escritores portugueses vivos. E, como sabe, “Sagarana”, foi escrito em 1937.

Um garçom do Itamarati entra com um copo de água, e pergunta se precisa mais alguma coisa. Guimarães Rosa agradece e diz: Vá com Deus, como se fosse um beirão ou um transmontano. Mais uma razão, portanto, para eu prosseguir: Como encara ou explica o enorme prestígio de que goza nos meios intelectuais e universitários portugueses?

Em relação a mim, houve por aqui (no Brasil) muitos equívocos, que ainda hoje não desapareceram de todo e que, curiosamente, ao que parece, não houve em Por­tugal. Pensaram alguns que eu inventava palavras a meu bel-prazer ou que pretendia fazer simples erudição. Ora o que sucede é que eu me limitei a explorar as virtualidades da língua, tal como era falada e entendida em Minas, região que teve durante muitos anos ligação direta com Portugal, o que explica as suas tendências arcaizantes para lá do vocabulário muito concreto e reduzido. Talvez por isso que ainda hoje eu tenha verdadeira paixão pelos autores portugueses antigos. Uma das coisas que eu queria fazer era editar uma antologia de alguns deles (as antologias que existem não são feitas, como regra, segundo o gosto moderno), como Fernão Mendes Pinto, em quem ainda há tempos fui descobrir, com grande surpresa, uma palavra que uso no “Grande Sertão”: amouco. E vou dizer-lhe uma coisa que nunca disse a ninguém: o que mais me influenciou, talvez, o que me deu coragem para escrever foi a” História Trágico-Marítima” (coleção de relatos e notícias de naufrágios, acontecidos aos navegadores portugueses, reunidos por Ber­nardo Gomes de Brito e publicados em 1735). Já vê, por aqui, que as minhas “raízes” es­tão em Portugal e que, ao contrário do que possa parecer, não é grande a distância “linguística” que me se­para dos portugueses.

Eu penso até que na imediata e incondicional adesão portuguesa a Gui­marães Rosa há muito de transferência sublimada de uma frustração linguística nossa, coletiva, que vem pelo menos desde Eça. Mas não nos desviemos. Admira-me muito que não tenha citado ne­nhum livro de ca­valaria, nem ne­nhuma novela bu­cólica, pois pensava que deles e delas havia diversas ressonâncias na sua obra, sobretudo no “Gran­de Sertão: Veredas”…

Sim, li muitos livros de cavalaria quando era menino, e, por volta dos 14 anos, entusiasmei-me com Ber­nardim (Bernardim Ri­beiro), e depois até com Camilo. Ainda continuo a gostar de Ca­milo, mas quem releio permanentemente é Eça de Queiroz (quando tenho uma gripe, faz mesmo parte da convalescença ler “Os Maias”; este ano já reli quase todo “O Crime do Padre Amaro” e parte da “Ilustre Casa de Ramires”). Camilo, leio-o como quem vai visitar o avô; Eça, leio-o como quem vai visitar a amante. Quando fui a Portugal pela primeira vez, eu só queria comidas ecianas (que gostosura, aquele jantar da Quinta de Tormes). Aliás deixe-me que lhe diga que me torno muito materialista quando penso em Portugal; penso logo nos bons vinhos, nas excelentes comidas que há por lá. E talvez seja também por isso que se há um país a que eu gostaria de voltar é Portugal…

… que, naturalmente, o receberá de braços abertos, em festa. Mas permita-me ainda uma pergunta: como “enveredou” — e penso que a palavra se ajusta bem ao seu caso – pelo campo da “invenção linguística?

Quando escrevo, não pen­so na literatura: penso em capturar coisas vivas. Foi a necessidade de capturar coisas vivas, junta à minha repulsa física pelo lugar-comum (e o lugar-comum nunca se confunde com a simplicidade), que me levou à outra necessidade íntima de enriquecer e embelezar a língua, tornando-a mais plástica, mais flexível, mais viva. Daí que eu não tenha nenhum processo em relação à criação linguística: eu quero aproveitar tudo o que há de bom na língua portuguesa, seja do Brasil, seja de Portugal, de Angola ou Mo­çambique, e até de outras línguas: pela mesma razão, recorro tanto às esferas populares como às eruditas, tanto à cidade como ao campo. Se certas palavras belíssimas como “gramado”, “aloprar”, pertencem à gíria brasileira, ou como “malga”, “azinhaga”, “azenha” só correm em Por­tugal — será essa razão suficiente para que eu as não empregue, no devido contexto? Porque eu nunca substituo as palavras a esmo. Há muitas palavras que rejeito por inexpressivas, e isso é o que me leva a buscar ou a criar outras. E faço-o sem­pre com o maior respeito, e com alma. Respeito muito a língua. Escrever, para mim, é como um ato religioso. Tenho montes de cadernos com relações de palavras, de expressões. Acompanhei muitas boiadas, a cavalo, e levei sempre um ca­derninho e um lápis preso ao bolso da camisa, para anotar tudo o que de bom fosse ouvido — até o cantar de pássaros. Talvez o meu trabalho seja um pouco arbitrário, mas se pegar, pegou. A verdade é que a tarefa que me impus não pode ser só realizada por mim.

Guimarães Rosa vai buscar uma fotografia para me mostrar onde levava o caderninho de notas, nas boiadas: vai buscar uma pasta com a correspondência com um seu tradutor norte-americano, para me mostrar as dúvidas e dificuldades deste, e o trabalho, a seriedade e a minúcia com que as vai resolvendo uma por uma (escrevendo, ele próprio, preciosas autoanálises estilísticas ou considerações filológicas). E, entretanto, vai-me fazendo outras confissões interessantes. Por exemplo: “gosto das traduções que filtram. Da tradução italiana do Cor­po de Baile gosto mais do que do original.” Ou: “Estou cheio de coisas para escrever, mas o tempo é pouco, o trabalho é lento, lambido, e a saúde também não é muita.” Ou: “Não faço vida literária: como regra, saio daqui e vou para casa, onde trabalho até tarde.” Ou: “No próximo ano, vou publicar um livro ainda sem título, com 40 estórias” (que têm aparecido quinzenalmente, no jornal dos médicos “O Pulso”, onde frequentemente aparecem também cartas ou a atacá-lo ou a defendê-lo ferozmente). Ou ainda: “eu não gosto de dar, nem dou entrevistas. Tenho sempre a sensação de que não disse o que queria dizer, ou que disse mal o que disse, ou que criei maior confusão; e não estou assim tão seguro do que procuro e do que quero. Com você abri uma exceção…”.
Nota: Entrevista realizada pelo escritor e jornalista Arnaldo Saraiva, em 24 de novembro de 1966. Publicada no livro “Conversas com Escritores Brasileiros”, editora ECL em parceria com o Congresso Portugal-Brasil.

Fonte: Revista Bula

I Encontro Nacional de Estética, Literatura e Filosofia é uma realização do Grupo de Estudos em Estética (ENELF)

O I Encontro Nacional de Estética, Literatura e Filosofia é uma realização do Grupo de Estudos em Estética, Literatura e Filosofia – GEELF, em parceria com o Departamento de Literatura da Universidade Federal do Ceará. Seu objetivo é divulgar a pesquisa realizada por professores e alunos da graduação e da pós-graduação, promovendo um diálogo entre pesquisadores de universidades do Brasil.

A apresentação se dará por "Comunicação oral".

A apresentação terá duração de 15 minutos com direito a 05 minutos para discussão.

As normas para o envio do resumo são as seguintes.

Nome do autor, alinhado à direita, espaço 1,5 uma linha abaixo do título, com o último sobrenome em caixa alta (ex: AGRELA, Rodrigo); logo abaixo, nome do orientador com a mesma formatação (em caso de graduandos); na linha seguinte, o nome da instituição à qual se vincula o autor por extenso.

O resumo, uma linha abaixo do título com espaço 1,5, deve ter texto justificado em um só parágrafo, contendo entre 150 e 250 palavras (não contar título, autor e instituição), espaçamento simples, contendo Introdução, Objetivos, Metodologia, Resultados parciais ou finais e Conclusão.

Palavras-chave, uma linha abaixo do resumo, com espaçamento 1,5. Mínimo de três e máximo de cinco palavras-chave.

Fonte a ser utilizada em todo o documento: Times New Roman, tamanho 12.

O modelo de resumo pode ser baixado AQUI. O documento deverá ser salvo em WORD (.doc / 97- 2007) e enviado através do Formulário de Inscrição disponível AQUI, conforme os prazos estipulados AQUI.
Fonte: ENELF

Chamada: Literatura, outras artes e mídias: multimodalidade e intermidialidade

A Comissão Organizadora solicita artigos que contemplem a discussão dos aspectos críticos e teóricos associados aos Estudos Interartes e Estudos da Intermidialidade, compreendendo as relações entre o texto literário e produções artísticas compostas em mídias variadas, em diferentes momentos históricos. A revista acolherá, ainda, artigos que abordem temas diversos da Literatura, na seção Varia, assim como resenhas de livros de ficção, poesia ou crítica publicados nos últimos três anos.

CHAMADA PARA PUBLICAÇÃO -REVISTA IPOTESE – QUALIS A1


Chamada Revista Ipotesi – Qualis A1, Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras: Estudos Literários da Universidade Federal de Juiz de Fora

Volume 17, n. 2, jul./dez. 2013

Prazo para entrega das contribuições: 15/05/2013

Organizadores desse volume: Pablo Rocca (Universidad de la República, Uruguay) e Silvina Carrizo (UFJF)

Título: A vida material do texto na América Latina (leitores, meios e mediadores)

Ementa:

Escrita e formas de divulgação foram, e ainda são, processos paralelos na América Latina. Públicos restritos ou limitados a certos setores de consumo cultural obrigaram à fatura de textos condicionados por esses grupos ou a que eles se imaginassem para um futuro possível mais que para o presente. Esse número da Revista Ipotesi procura indagar algumas questões em torno do problema: 1) as representações do leitor e da leitura nos textos latino-americanos; 2) as formas de mediação de editores, revistas e, até, dos agentes materiais (tipógrafos, linotipistas, imprensas, etc.); 3) a abordagem de experiências criativas, individuais ou coletivas (como em revistas ou cadernos de jornais), nos quais são examinadas as estratégias de construção de um público de lado da procura por uma identidade estética ou cultural em particular. Os artigos deverão ser apresentados de acordo com as normas de publicação da revista.

Para maiores informações e normas de estilo: http://www.ufjf.br/revistaipotesi/normas-de-publicacao/

Editora-chefe: Professora Ana Beatriz Gonçalves. Vice-editor: Professor Alexandre Graça Faria. Editor convidado: Professor Pablo Rocca (Universidad de la República, Uruguay).

Assistente responsável: Juliana Machado de Britto; e-mail preferencial para envio: revistaipotesi_vol17n2@yahoo.com.br e revista.ipotesi@ufjf.edu.br

Chamada para publicação: Revista Interfaces


A Revista Interfaces está recebendo artigos científicos de pesquisadores, professores e de alunos de Pós-Graduação para os volumes 4, n.1 e 4, n.2 com estudos sobre as áreas de língua, literatura e suas interfaces.


- Organizadoras do Vol. 4, n. 1: Profª Níncia Cecília Ribas Borges Teixeira e Profaª Carme Regina Schons

Prazo para envio: 23/05/2013

Data de publicação: até 07/2013.



- Organizadora do Vol. 4, n. 2: Profª Zélia Viana Paim

Prazo para envio: 25/10/2013

Data de publicação: até 12/2013.