sábado, 15 de dezembro de 2012

O Vampiro de Curitiba recebe Prêmio Camões na BN

Na noite de quarta-feira (12/12), foi realizada a cerimônia de entrega do principal reconhecimento da literatura em língua portuguesa, o Prêmio Camões. O homenageado da noite foi o autor Dalton Trevisan, conhecido como o “Vampiro de Curitiba”. “Nunca jamais pensei em merecer tamanha honrosa distinção”, agradeceu por meio de fax lido pela vice-presidente da Editora Record.

Considerado o maior contista contemporâneo, Dalton Trevisan acumulou vários prêmios durante a vida literária, sua primeira publicação Novelas Nada Exemplares (1959) recebeu o Prêmio Jabuti. Seu único romance, A polaquinha (1985), ganhou o Prêmio Ministério da Cultura de Literatura em 1996. A obra figura na lista dos 10 livros que receberam bolsas do Programa de Apoio à Publicação de Autores Brasileiros na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, da FBN, em 2012.

Em 2003, dividiu com Bernardo Carvalho o Prêmio Portugal Telecom de Literatura com o livro Pico na Veia e, este ano, venceu novamente o prêmio na categoria conto e crônica com a obra O Anão e a Ninfeta. O autor publicou também Morte na Praça (1964), Cemitério de Elefantes (1964), A guerra Conjugal (1969), Crimes da Paixão (1978), Ah, É (1994), O Maníaco do Olho Verde (2008), Violetas e Pavões (2009), Desgracida (2010), entre outros.

Alheio à personalidade reclusa do escritor, o júri o escolheu por unanimidade, ressaltando sua dedicação ao fazer literário. “Dalton Trevisan significa uma opção radical pela literatura enquanto arte da palavra” justificou a Ata do Júri, lida pelo cônsul geral de Portugal no Rio de Janeiro, Nuno Bello ao entregar o prêmio. A outorga, realizada em conjunto pelo presidente da Fundação Biblioteca Nacional, Galeno Amorim, e por Bello, representando a Secretaria de Cultura de Portugal, é o máximo reconhecimento da literatura em língua portuguesa.


Fonte: BLOG DA BN

Ficção, compadrio e as tias – Beatriz Resende e Alcir Pécora


Neste terceiro debate da seção “Desentendimento”, os críticos literários Beatriz Resende e Alcir Pécora refletem sobre a literatura brasileira contemporânea. A mediação ficou a cargo de Paulo Roberto Pires, editor da revista serrote. A cada mês, o leitor encontrará no blog um debate em vídeo em que os convidados apresentam opiniões divergentes sobre um tema proposto pela revista serrote.


Blocos I e II

Ao pensar sobre o panorama da literatura contemporânea não apenas brasileira, Alcir Pécora afirma que o americano Paul Auster é um autor medíocre, que vive “da tentativa canhestra de parecer engajado”. Pécora refere-se especificamente ao romance Invisível, em que Auster estaria reelaborando questões como o “colonialismo de má consciência” ou “refazendo lugares-comuns e produzindo um romanesco do incesto”. Em seguida, o alemão Bernhard Schlink é visto com reservas pelo crítico. Seu famoso livro O leitor operaria um tema grave (o nazismo) para criar, no fundo, uma história detetivesca permeada por clichês. Esses são dois exemplos em que Pécora identifica um esgotamento do discurso ficcional.

No bloco seguinte, Beatriz Resende chama a atenção para o risco de comparar autores de origens literárias diferentes, uma vez que haveria um confronto desigual de produção. E diz acreditar não ser mais possível haver uma literatura nacional, uma vez que o escritor está sempre sujeito a contaminações de diversas técnicas e linguagens. Já Pécora reafirma ver a impossibilidade de criação de uma nova literatura. E desautoriza o rótulo Geração 90 atribuído a um grupo de escritores paulistas, já que seus autores não teriam promovido uma ruptura verdadeira com modelos anteriores.



Blocos III e IV

Depois das restrições feitas à Geração 90 e ao corporativismo entre os escritores brasileiros, o terceiro segmento avança esse debate. Ambos os críticos condenam a ausência do embate de ideias entre os autores e a relação de cumplicidade que mantêm. “O lugar da literatura virou o lugar das tias”, diz Pécora. Para Beatriz Resende, além de alguns grupos combinarem elogios mútuos, chegam a formam “gangues”, que podem isolar um escritor da mídia.

No quarto bloco, os debatedores refletem sobre um tema crucial: a oposição entre estímulos para o consumo de livros e mecanismos para a formação de leitores. O papel da crítica e da universidade para pensar a literatura contemporânea é o tema que fecha o encontro.




Fonte: BLOG DO IMS

Borges e Neruda: o gênio além da ideologia

Algumas tentativas da percepção para transcender o conflito entre a lucidez e a sombra nas obras de dois nomes decisivos da literatura


De perto somos todos normais: de esquerda, de direita, de centro, alienados. De longe, quando a persona é vista em sua inteireza, que só pode ser expressada pelo talento de cada um, o bicho pega. Jorge Luis Borges e Pablo Neruda causam desconforto quando se fala neles. Um porque apoiou a ditadura argentina, outro porque foi ministro do governo de Salvador Allende. Essa maldição que persegue o gênio nos afasta da essência de suas obras. Neste ensaio, alguns pontos focais do trabalho inumerável de dois mestres da literatura universal. Um exercício de ver com os olhos livres e deixar de lado o que é datado e perecível, mesmo que o talento se expresse às vezes sob a ótica contaminada por convicções ideológicas. Fica no ar a pergunta: é possível uma obra transcender suas fontes mesmo quando não havia intenção de transcendência?

Próximo demais da luz

Iluminado pelas leituras de toda uma vida, Jorge Luis Borges descobre o essencial quando finalmente é empurrado para a sombra. A cegueira, dura presença aos 70 anos de idade, o deixa só diante da fonte que alimenta os clássicos — sua paixão explícita, uma rede tecida desde Virgílio a Kipling.

Nesse ambiente onde as palavras são desmascaradas — porque revelam-se desnecessárias — o escritor transforma-se no oculto veio que pacientemente garimpou nas bibliotecas, e que faiscava nos olhos de uma leitura privilegiada — árvore generosa de onde brotaram seus livros.

Memória, então torna-se esquecimento, a literatura transmuta-se em vida e a poesia é a alta gávea que anuncia a descoberta. Em “Elogio da Sombra”, não é a treva que ofusca a obra, mas um outro sol, imaginário antes, real agora, quando tudo vira linguagem. Inclusive o que não pode ser alcançado pelo poema, apenas sugerido, como os volumes submersos para sempre no alto das prateleiras.

Ao desistir de tudo, o escritor emerge como personagem, abandonando os leitores à própria sorte. Não foge, se encontra. Não trava, desanda. Não morre, eterniza-se. Aproveita para fazer um inventário, que passa por He­ráclito, Zeus, Buenos Aires, Joyce, Israel, o pampa — todos cenários que somem na neblina depois da última linha.

Mas fingir-se de morto não era seu objetivo. Sua intenção de identificar-se com a matéria-prima que o envolveu o tempo todo, é sincera. Retira-se da casa onde habitou para um lugar mais profundo, menos visível, mas indestrutível: é de lá que fluem os materiais forjados pelo gênio. A humildade diante do absoluto pode ser encarada como mais um jogo de sua predileção, mas o que salta à vista é a sobriedade inspirada pela presença da morte.

Esse é o seu destino: vazar o corpo fechado da razão para nele transparecer a loucura. Não o desatino dos doidos, mas a ardente lucidez da sabedoria.

Borges aproximou-se demais da luz e, aparentemente, recusou-se a tocá-la. Virou os olhos para o outro lado e nesse movimento, conquistou o definitivo espaço dos mestres. Ele nos conduz pela mão e, na beira do abismo, desaparece.
Ficamos, então, reduzidos ao pó de suas palavras, que ressoam como um sussurro, a ecoar a suprema ironia dos deuses. O livro não passa de uma armadilha. O que temos na mão é pura paisagem, rede que abraça a pedra na praia, e nos enreda, sugerindo afogamento. Quem, de sã consciência, teimará em escapar desse laço?

Cultura popular

Em “O Informe de Brodie”, coletânea de contos, o olhar “es­trangeiro” de Jorge Luis Borges sobre seu próprio povo denuncia suas convicções sobre a cultura popular. Admirador da poesia gauchesca, obra de advogados e jornalistas de Buenos Aires e Mon­tevidéu, ele descobre que os mitos do pampa não passam de uma nostalgia urbana. Fica, portanto, à vontade para abordar, sem concessões, as margens de uma nacionalidade mestiça, da capital e do interior da Argentina, onde recria, a seu modo, narrativas que todos teimam em lembrar.

Sem pactuar com o derramamento emocional que o cerca, o aço de sua escrita é temperada pelo calor da barbárie pingando sangue. Não há heróis para saudar, a não ser a experiência repassada pelas gerações, onde sobressai a traição, o crime, o ciúme e a falta de importância das personagens. É como se navegasse a favor da corrente de episódios e lendas que seu interesse acumulou, mas com a originalidade de uma linguagem sem raízes.

No rumo das lendas repassadas de boca a boca, obedece a mapas bem demarcados de suas leituras prediletas, livre das obsessões que ocuparam vasto espaço do seus contemporâneos. Ele sabe que a literatura tradicional não se opõe às novidades da vanguarda, já que é “feita de um conjunto secular de aventuras”. Insiste nessa matriz, consciente da sua infinita capacidade de encantamento.

Desse movimento que flui eternamente, porque realimentado pela memória e por ouvidos sempre atentos dispersos em todas as rodas e confidências, ele aponta para uma cultura que precisa se descobrir para mudar. Haverá saída para um universo onde o assassinato é permitido pelo cinismo da guerra? Sim, se o escritor conseguir despertar o horror ao descrever a cena.

A chave dessa ética cevada na solidão é a viagem hipnótica que a civilização desenvolve ao coração da crueldade: não haverá remissão se a ordem da escrita não dominar o caos da oralidade. Mas essa ordem já nasce, em Borges, contaminada pelos fantasmas de generais, damas, duelos, degolas. É co­mo se houvesse uma rendição, mas sem desonra. É a única vitória possível por um autor especializado em calamidades.

O truque é abrir mão do papel principal, mas não da autoria da trama. A Argentina, assim, transforma-se em puro Borges, o que não deixa de ser uma extrema ironia deste platino com os olhos voltados para a Inglaterra, que no deserto cultivou-se cosmopolita e foi um bibliotecário encerrado numa geografia ágrafa.

Épico insurgente

Neruda perdeu a terra e tenta recuperá-la por meio da poesia. Mas o que aparece no livro “Donde Nasce A Chuva” (tradução de Carlos Nejar), primeiro dos cinco volumes do seu “Memorial de Ilha Negra”, escrito aos 60 anos, não é apenas o Chile (e por extensão, a América Latina), mas principalmente a destruição da sua identidade pessoal. O poeta se debruça sobre sua infância, sobre sua cidade, e reconstitui esse processo de destruição para se redescobrir e recuperar o fio, apesar de saber que nunca será o mesmo e que está condenado, como todos, a uma viagem sem volta. No seu caso, essa viagem o levaria ao breve tempo de esperança no governo Allende e depois à morte, nos dias terríveis de setembro de 1973.

É por isso que Neruda não deixou, como herança, apenas uma descrição de sua terra, mas sua caminhada, sua tentativa de humanizar o homem destruído pela pressão social, sua vontade de recompor o mundo à imagem pura das matas de Temuco, onde “do machado e da chuva foi crescendo a cidade madeireira recém-cortada como nova estrela com gotas de resina”.

O livro é sobre a descoberta do mundo, os primeiros passos do poeta, suas revelações por meio da dor, sua passagem para novos estados de consciência que, ao mesmo tempo, o afastavam de suas raízes. Esse mundo nasce da cidade madeireira, da descoberta emocionada dos pais, da experiência de terror e lucidez nas matas e no mar, da adolescência tímida que descobriu o sexo, o colégio, o livro, e o levou à poesia, ao medo na capital e à rotina na pensão da rua Maruri.

Pelos olhos de Neruda passeiam as assombrações do seu Tio Genaro que veio das montanhas, as paisagens da terra — como nos poemas “Lago dos Cisnes” e “A Terra Austral” — e do povo, como em “A Injustiça” e “O Trem Noturno”. E, principalmente, a mudança do seu rosto, como neste trecho de “O Menino Perdido”: “E de repente apareceu em meu rosto um rosto de estrangeiro e era também eu mes­mo: era eu que crescia, eras tu que crescias, era tudo, e mudamos e nunca mais soubemos quem éramos, e às vezes recordamos aquele que viveu em nós e lhe pedimos algo, talvez que nos recorde, que saiba pelo menos que fomos ele, que falamos com sua língua, mas desde as horas consumidas nos olha e não nos reconhece”.

Talvez só a poesia possa redimir o exílio, pois joga com a memória afetiva, redescobrindo o clima dos acontecimentos e as dimensões do homem nas suas viagens pelo furacão. Recompõe assim a história pessoal de uma coletividade, procura um rosto que permaneça e reine acima da perda, do eterno sentimento de derrota, dos foragidos que trocam de mundo também por que são empurrados, e não somente por sua sede de aventura. Neruda, apesar de eterno passageiro desse trem que nunca para, procura a memória social por meio de sua existência individual, recuperando a terra perdida e cumprindo seu destino de poeta e cidadão do mundo.

A história de Neruda, por sorte, é a história do povo. Nascido da chuva, da madeira, do pão e do vinho, ele é capaz de se identificar com os movimentos da terra e do tempo, retratando a aventura numa época de dispersão e miséria. Por ter descoberto a identificação do seu destino com o destino do Chile, pode-se dizer que Neruda, como todos os grandes poetas, é a pátria procurada pelos abandonados, pelos que foram varridos da sua terra, tanto pelo tempo como pela guerra. Felizmente, a tradução de Carlos Nejar conserva essa mágica experiência, por meio de um bom senso criativo, sem pretensões e exato. E há a vantagem de ser uma edição bilíngue, onde Nejar mostra-se útil até o fim.

O animal ferido da palavra

Poesia é a palavra diante da morte, a distância de um braço entre o poeta e seu destino. A tensão permanente do poema é a visão desse desenlace e é disso que se alimenta a sua eternidade. É por isso que o poeta sobrevive, não porque lute para ficar vivo, mas porque escreve sabendo que vai morrer. Quando, enfim, a última batalha desce sobre seu corpo em brasa, a obra grita, como condenada.

Pablo Neruda, morto há quase 40 anos, encarna esse animal que cruza todas as fronteiras e regressa à pátria para ser assassinado. Está na moda hoje destruir o mito para celebrar a exposição das vísceras, compensação de um tempo onde triunfa a indiferença. Assim, o vazio é confundido com virtude para privilegiar os “erros” de Neruda, como um poema para Stálin, por exemplo. Mas o que é datado, no poeta, morre com ele. O que permanece é o crepúsculo enrolado aos seus pés e a solidão, como um túnel.

Não é apenas a sua lírica que cresce quanto mais nos distanciamos do réquiem de 21 de setembro de 1973. Assoma a pátria, sua metáfora extrema: na hora em que morria , era o Chile que estava sendo devorado. Pois não bastava matar o presidente, era preciso também eliminar a esperança. Neruda entendeu que tinha chegado a sua hora. E acabou-se, puxando a toalha no momento em que os tiranos comemoravam a vitória.

Do seu engajamento fica essa encarnação do povo e terra, o lirismo épico de sua caminhada, a manutenção do mito, não restrito ao seu país. Ele pertencia a uma raça quase extinta, aquela que sumiu do mapa porque o mundo mudou de estilo. Já foi longe a época em que as nações cultivavam seu poeta, que recitava versos na praça e traçava biografias andarilhas.

Ele alimentava assim a multidão faminta de história, ainda presa a palavras hoje mortas, como atávico, mártir, telúrico. Era um artista popular da palavra, mas a mensagem que ele inventou para a rápida passagem do tempo atraiu a atenção dos lobos. Minaram então sua sorte trazida do berço, desmoralizaram seu andar partido, imitaram seu timbre, roubaram-lhe a voz. Pablo Neruda é a expressão maior desse romantismo tardio, desse último suspiro da imaginação emocionada, que morre nos braços do povo ao som da metralha.

Hoje, quando o Chile é visto pela sua performance econômica, seu perfil de tigre, lembramos o comportamento dos chacais. As manifestações nos aniversários do golpe de 1973 não podem prescindir da visita ao túmulo do poeta, gritar seu verbo em praça pública. Para o Brasil, retalhado numa guerra interminável — exatamente porque adiamos todos os desenlaces — ele inspira o tom de eternidade, que nos escapa. Estamos presos demais à pressa, à ilusão eterna do presente.

Muitos poetas apostam no supérfluo, no fugaz, no palavrão — ainda iludidos de que é possível “chocar” alguém com gestos ou palavras, não fôssemos nós observadores permanentes das chacinas. A poesia brasileira costuma ficar dividida entre o mimetismo nerudiano e o espólio da demolição con­cretista, entre a pomposidade inútil e o falso vanguardismo. Estamos mergulhados demais no horror para enxergar a poesia.

É nesse túnel que deve se desenhar o poema ainda em silêncio, como um animal ferido. A longa cicatrização imobiliza o gesto, enquanto a palavra estilhaça nos vidros de uma nação que derrapou. Nesse exílio obrigatório, a morte de Neruda abre uma trilha. Ele identificou-se com a grandeza e a tragédia chilena e tornou-se o mais caro patrimônio do país. Precisamos deixar que ele nos toque com os dedos longos da palavra.

Não podemos entretanto, mergulhar no equívoco de endeusá-lo, nem nos deixar enganar pela maior parte da sua obra póstuma. O que ele mesmo publicou já basta: “Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada”, “Con­fesso que Vivi”, As Mãos do Dia”, “Canto Geral”, entre outros livros iluminados.

- Nei Duclós -


Fonte: BULA REVISTA

Um grande presente para os fãs de Flaubert: o prefácio de “O idiota da família”


Gustave Flaubert nasceu em 12 de dezembro de 1821. Um gênio que daria origem à Madame Bovary, mas que quando criança foi considerado literalmente um idiota. Jean-Paul Sartre era obcecado por ele. Tanto que dedicou anos da sua vida a escrever a biografia definitiva de Flaubert. Em O idiota da família, Sartre proporciona ao leitor um livro de cerca de 3.000 páginas, dividido em três tomos, que é lido como uma grande aventura. Até hoje inédito em língua portuguesa, O idiota da família finalmente poderá chegar às mãos dos brasileiros em nossa língua mater. A L&PM Editores já recebeu da tradutora Júlia da Rosa Simões as primeiras mil páginas do volume 1 que será lançado em meados de 2013. E como hoje é aniversário de Flaubert, aqui vai um presente a todos aqueles que aguardam ansiosamente a chegada deste que é considerado um projeto soberbo, o livro que encerra a obra sartriana. Com vocês, o prefácio de O idiota da família finalmente em português:

PREFÁCIO

O idiota da família é a continuação de Questões de método. Seu tema: o que podemos saber de um homem, hoje em dia? Pareceu-me que só poderíamos responder a essa pergunta através do estudo de um caso concreto: o que sabemos – por exemplo – de Gustave Flaubert? Isso significa totalizar as informações de que dispomos sobre ele. Nada prova, de início, que essa totalização seja possível e que a verdade de uma pessoa não seja plural; os dados são muito diferentes por natureza: ele nasceu em dezembro de 1821, em Rouen ­– eis um; ele escreve à amante, muito tempo depois: “A Arte me espanta” – eis outro. O primeiro é um fato objetivo e social, confirmado por documentos oficiais; o segundo, também objetivo quando nos atemos à coisa dita, por seu significado remete a um sentimento vivido, e nada decidiremos sobre o sentido e o alcance desse sentimento se antes não tivermos estabelecido se Gustave é sincero, em geral e, particularmente, nesta circunstância. Não corremos o risco de chegar a camadas de significados heterogêneos e irredutíveis? Este livro tenta provar que a irredutibilidade é apenas aparente e que cada informação colocada em seu devido lugar torna-se a parte de um todo que continua a fazer-se e, ao mesmo tempo, revela sua profunda homogeneidade com todas as outras.

Porque um homem nunca é um indivíduo; seria melhor chamá-lo de universal singular: totalizado e, por isso mesmo, universalizado por sua época, ele a retotaliza ao reproduzir-se nela como singularidade. Universal pela universalidade singular da história humana, singular pela singularidade universalizante de seus projetos, ele exige ser estudado simultaneamente pelas duas pontas. Precisaremos encontrar um método apropriado. Apresentei os princípios de um em 1958 e não repetirei o que disse então: prefiro mostrar, cada vez que necessário, como ele se faz no próprio trabalho para obedecer às exigências de seu objeto.

Uma última palavra: por que Flaubert? Por três motivos. O primeiro, bastante pessoal, há muito tempo deixou de valer, apesar de estar na origem dessa escolha: em 1943, ao reler sua Correspondência na má edição Charpentier, tive a sensação de ter contas a ajustar com ele e que devia, com vistas a isso, conhecê-lo melhor. Desde então, minha antipatia inicial transformou-se em empatia, única atitude exigida para compreender. Por outro lado, ele se objetivou em seus livros. Qualquer pessoa dirá: “Gustave Flaubert é o autor de Madame Bovary”. Qual, então, a relação do homem com a obra? Eu nunca o disse até agora. Nem ninguém, que eu saiba. Veremos que é dupla: Madame Bovary é derrota e vitória; o homem que se manifesta na derrota não é o mesmo exigido para sua vitória; será preciso entender o que isso significa. Por fim, suas primeiras obras e sua correspondência (treze volumes publicados) manifestam-se, veremos, como a confidência mais estranha, a mais facilmente decifrável: como se ouvíssemos um neurótico falando “ao acaso” no divã do psicanalista. Acreditei que seria permitido, para esta difícil demonstração, escolher um tema fácil, que se revela facilmente e sem o saber. Acrescento que Flaubert, criador do romance “moderno”, está na interseção de todos os nossos problemas literários de hoje.

Agora, é preciso começar. Como? Pelo quê? Pouco importa: penetramos em um morto da maneira que quisermos. O essencial é partir de um problema. Daquele que escolhi, geralmente pouco se fala. Leiamos, no entanto, essa passagem de uma carta à srta. Leroyer de Chantepie: “É de tanto trabalhar que consigo calar minha melancolia natural. Mas o velho fundo muitas vezes reaparece, o velho fundo que ninguém conhece, a chaga profunda sempre escondida”[1]. O que isso quer dizer? Uma chaga pode ser natural? Seja como for, Flaubert nos remete à sua proto-história. O que se precisa tentar conhecer é a origem dessa chaga “sempre escondida” e que, em todo caso, tem origem em sua primeira infância. Este não será, acredito, um mau começo.

[1]Croisset, 6 de outubro de 1864.

Lançamento de peso: os três volumes de
"O idiota da família" na edição francesa.
O primeiro volume chega em meados de 2013 pela L&PM

Fonte: BLOG DA L&PM

Chamada para publicação: Revista Litteris | UFF


Litteris. Revista da Universidade Federal Fluminense.

Publica artigos de tema livre relacionados a estudos literários, linguísticos, história, antropologia, filosofia, geografia, artes, estudos culturais e interdisciplinares.

Prazo para próxima edição (mar./2013): até 30/3/2013

Informações, acesse o site da revista, ou consulte, aqui, as normas para publicação.

VII CONGRESSO INTERNACIONAL ROA BASTOS: ESTÉTICAS MIGRANTES | UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARIA (De 02 a 05 de abril de 2013)



Segunda circular

Mudança de datas

O Congresso Internacional Roa Bastos: Estéticas Migrantes será realizado de 02 a 05 de abril de 2013. As novas datas foram marcadas por causa do adiamento do início do semestre letivo 2013-1 na Universidade Federal de Santa Catarina, em decorrência da greve 2012.
Por essa razão as inscrições com apresentação de trabalho e de ouvinte serão prorrogadas, conforme as seguintes datas:

- Até 28 de fevereiro: envio do resumo da comunicação proposta
- Dia 10 de março: envio do aceite
- Até 31 de março: inscrição como ouvinte

Todas as inscrições são gratuitas e serão realizadas através do blog do evento:

Temática: Estéticas Migrantes

A sétima edição do Congresso Internacional Roa Bastos em 2013 apresenta o desafio de desenvolver uma temática contemporânea em tempo de globalização, a partir das estéticas migrantes. Ao experimentar um diálogo entre passado e presente, portanto, entre distintas temporalidades e por considerar as territorialidades como um campo movediço e em transformação na área da cultura, o que pretende com o tema é o desejo implícito de deixar a moldura nacionalista para entender a literatura em movimento, determinada pela operacionalização de categorias que se renovam com as geopolíticas das diásporas, dos fluxos e das configurações de novos gêneros e das subjetividades em trânsito.

Com o tema das estéticas migrantes convocamos à reflexão sobre o fenômeno literário e artístico produzido no deslocamento, de espaços, identidades, línguas e formas simbólicas. Tratar-se-á do errar que caracteriza a contemporaneidade, na freqüentação de formas culturais diversas, das migrações econômicas e dos exílios políticos, e os rastros de violência e dor que deixam, e também, dos deslocamentos que deram forma a um século XX marcado por várias figuras da fuga. O escopo deste encontro de reflexão e diálogo entre pesquisadores e estudantes se constitui na análise dos indícios que itinerários e encontros deixam nas expressões culturais, e que contribui para a criação de espaços descentrados e formas de grande originalidade.

Na próxima circular  informaremos a programação definitiva e indicaremos os hotéis e pousadas na região.

Para entrar em contato com a organização do Congresso escreva para: esteticasmigrantes@gmail.com